A ideia era não apenas dar uma oportunidade bacana de trabalho a surdos, que, muitas vezes, enfrentam barreiras na hora de conseguir um emprego. Mas, também, tornar esse grupo social mais “visível” aos ouvintes. Assim nasceu a Gelateria Il Sordo, com gelados de técnica italiana, inaugurada em Aracaju em 2016.
Trabalho com surdos há quase cinco anos e conheço bem a realidade e as dificuldades que enfrentam no dia a dia. Segundo o último censo do IBGE, o Brasil tem cerca de dez milhões de deficientes auditivos e muitos deles têm a Libras como primeira língua. Quando descobri essa sorveteria durante minha recente viagem a Sergipe, não pensei duas vezes. Corri para o estabelecimento, localizado no charmoso e residencial bairro Treze de Julho.
Era o último dia de 2017 e a Il Sordo (“o surdo”, em italiano) havia acabado de abrir. Cheguei dando bom dia em Libras e o atendente me respondeu com a cara mais normal do mundo. Geralmente, quando faço Libras para algum surdo que não conheço, a cara é invariavelmente de surpresa, já que este coletivo não está acostumado a encontrar alguém que cumprimente em sua língua. Não foi o caso do Wagnerson, atendente do Il Sordo.
É que essa sorveteria praticamente se trata de um “consulado” da cultura surda. Por lá, o contato em Libras é mais do que bem-vindo, é praticamente uma rotina. Mas, se eu não souber Libras, como faço para comprar um sorvete? Nenhum problema. Os atendentes são oralizados, ou seja, sabem fazer leitura labial. Além disso, há diversos recursos por escrito para auxiliar os ouvintes (foto acima). E, finalmente, ainda existe a possibilidade de se comunicar por gestos.
SABORES NACIONAIS E INTERNACIONAIS
No colorido balcão, sabores italianos tradicionais como straciatella, fior de caramelo salato e nutellone dividem espaço com receitas nacionais como sapoti, mangaba e queijo da fazenda, além das opções convencionais como chocolate e frutas variadas. Os preços variam de acordo com o tamanho e quantidade de bolas, de oito a 18 reais.
Bati um papo rápido com Wagnerson, que, após soletrar seu nome, me deu seu “sinal”. O sinal é o “nome” da pessoa em Libras, algo que facilita muito a comunicação, já que encurta as frases. A grosso modo, o sinal funciona como se fosse um apelido visual. Ele contou receber a visita de surdos de todo o Brasil e me mostrou os sinais das frutas típicas do cardápio. Me joguei na mangaba, que adoro de paixão.
O proprietário, também surdo, chama-se Breno Oliveira e fez curso de sorvetes italianos em São Paulo. Ele não estava no estabelecimento quando visitei, mas, nesta entrevista do G1, revela que alguns clientes até aprendem um pouquinho de Libras na sorveteria. “Nossa proposta foi mostrar que o cidadão surdo pode se comunicar e ser compreendido. Quero que este estabelecimento sirva de referência para outras”, conta.
Empresa inclusiva na prática que, esperamos possa inspirar muitas outras iniciativas do gênero. Conheça mais sobre eles em sua página no Facebook.
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Escala de sustainatripity: 8 – Inclusão está no top of the pops deste blog, por figurar no pilar social do triple bottom line (saiba mais aqui o que é isso). No caso, inclusão de surdos, que eu conheço tão bem, balançou mais ainda este coraçãozinho aqui.
Por que vale a pena? Porque o sorvete é uma delícia, o bairro é uma graça e porque você vai descobrir que conversar com surdos é moleza – quem sabe ainda aprende um pouco de Libras?
Vai agradar a quem? Quem adora um sorvete, quem quer se refrescar do calor sergipano, quem se interessa por inclusão, quem vive ou tem curiosidade pela cultura surda.