Lojas sem dinheiro: aprendendo pós-consumismo em Paris

Em uma das cidades mais caras do mundo, é possível deixar e levar coisas (lindas) de graça

La boutique sans argent

Ela atende pelo autoexplicativo nome de La Boutique sans argent (literalmente, “a loja sem dinheiro”) e lá você encontra roupa, louça, livros, enfeites, pequenos móveis, brinquedos… Parece uma (mini) loja de departamentos, com uma diferença: ninguém vai perguntar se você quer pagar em crédito ou débito. Pós-consumismo na prática.

Inaugurada em 2013, La Boutique sans argent tem como objetivo fazer a economia circular, promovendo a solidariedade e a convivência. “Por que precisamos de uma loja sem dinheiro em Paris?”, perguntam-se as criadoras da iniciativa em seu blog. “Porque, assim como ocorre em Amsterdã, Berlim, Bruxelas, Copenhague, Viena ou Atenas, queremos ter um local de convivência para levar e recuperar nossos objetos, sejamos nós pobres ou ricos”, respondem, destacando o “humano” em uma época em que “só se fala de dinheiro”.

la boutique sans argent
Ambiente aconchegante e cool para doar e receber

Pois é, a ideia não é uma invenção francesa, como eles mesmo afirmam. Outras cidades europeias já entraram na onda dessa espécie de brechó filantrópico, que valoriza o “old new”. Mas a casa dirigida por Deborah Fischkandl chama a atenção de jovens de 20 anos a sexagenárias em uma das cidades que mais inspiram o consumismo no mundo. E ainda conta com um café de colaboração consciente – o cliente paga pelo serviço o preço que quiser.

AUXÍLIO MUNICIPAL

A ideia foi inspirada nos chamados free shops americanos criados nos anos sessenta. Não, nada a ver com os enclaves de consumo dos aeroportos, e sim com lojas gratuitas daquela época de recuperação financeira. A Alemanha também tem sua história com Umsonstläden, estabelecimentos similares de troca de objetos que existem até hoje. E mesmo na França a iniciativa teve seus primórdios com a Magasin pour rien. Então, por que La Boutique chamou nossa atenção? 

Porque ela declara perseguir um triplo objetivo: ambiental, social e cidadão. Parece bastante com o triple bottom line que guia nossos posts por aqui. Na prática, prega uma melhor utilização dos recursos ao permitir o reuso de objetos subutilizados, além de sensibilizar o público para o consumo responsável. “Enfim, a loja oferece a todos uma forma concreta de exercitar a cidadania e participar do futuro de uma economia fundada na cooperação e na inteligência coletiva”, afirmam em seu manifesto.

La boutique sans argent
Patinho de borracha, livro, plantinha… Foto: Canal+

O local, que fica no belo prédio da estação ferroviária desativada de Reully, foi cedido pela prefeitura de Paris e conta com ajuda financeira do bairro onde se localiza, o 12e arrondissement. Posso levar qualquer quinquilharia e sair com uma blusa bapho? Mais ou menos. Em teoria, todos tipos de objetos são bem-vindos, mas desde que estejam em bom estado (sem precisar de reparo), sejam portáteis e em quantidade razoável. E eles recebem apenas uma bolsa por pessoa por visita.

Importante lembrar que não é uma loja de trocas. Você pode adquirir algo sem ter levado nada e vice-versa. A doação é o motor da atividade. Por lá, rolam diversos eventos, como saraus e workshops de coisicas legais, como oficina de tricô, upcycling e palestras. “Ao proibir as transações financeiras em nosso espaço, queremos recordar que o dinheiro é apenas um meio e não um fim em si e que a verdadeira riqueza reside no compartilhamento e não na acumulação”. A gente assina embaixo.

Le Siga-siga/ La Boutique sans argent
181, avenue Daumesnil, 75012 Paris. Metrô Daumesnil (linhas 6 e 8)
Terça a sábado, horários variáveis de acordo com a estação (confira o site

Vale lembrar que elas costumam fechar por um longo período no verão (algo bastante comum na Europa). 

Escala de sustainatripity: 10 – Motivação ambiental, social e econômica? Checked! Fechou o tripé da sustentabilidade dando, ainda, aula de cidadania.

Por que vale a pena? Porque tem achados únicos, presentinhos originais que você não encontrará em nenhuma loja, além de um clima solidário para revigorar a viagem.

Vai agradar a quem? Quem não dispensa um brechó ou sebo, quem ama aquisições-que-ninguém-fará, quem quer ver gente muito diferente e quem curte boas ações.