O roteiro era ambicioso. Percorrer a Tailândia de norte a sul, aproveitando praias, templos e experiências. Conquistamos isso e muito mais. Entre as mais intensas lembranças que esse país me proporcionou, está, lá no topo, a passagem pelo Free Bird Café, em Chiang Mai, uma das melhores experiências good cause vividas em viagens.
É tarefa difícil destacar um restaurante na Tailândia. Isso porque há uma lista interminável de dicas deliciosas e é até injusto limitar em um, dois, três locais a diversidade da culinária do país. No entanto, o Free Bird une não apenas sabores memoráveis como também uma boa causa: dedicar sua renda à ONG Freedom House (que tem representação em Chiang Mai). Quando fui, ainda não havia rolado o golpe tailandês de 2014, mas a Freedom House já tinha muito trabalho a fazer por lá. E seu restaurante é uma das principais bandeiras.

Vegetariano, o Free Bird dedica 100% de sua renda a refugiados birmaneses que fogem para a Tailândia e também à parte da população tailandesa indígena. São mais de 1,2 milhão de indígenas que vivem isolados em montanhas e não estão registrados como cidadãos, o que os dificulta sua educação.
Essa limitação obriga a essas pessoas a viver de subempregos ou opção pior – como trabalho semi-escravo ou prostituição (um problema que salta aos olhos na Tailândia). No caso dos birmaneses, devido a violência, estima-se que mais de 220.000 tenham deixado o país e que 100.000 deles vivam na Tailândia. Como essa nação não assinou a Convenção da ACNUR, que garantiria aos birmaneses direitos de refugiados, a situação desse coletivo é extremamente vulnerável. Entre outros absurdos, eles só têm direito a estudar lá até os 12 anos.
Portanto, a educação de birmaneses refugiados e dos indígenas se tornou a motivação a principal para a criação do Free Bird Café, que arrecada recursos para projetos como o de ensino de tailandês e inglês a essas pessoas e o transporte de professores a acampamentos no interior, além de conscientizar turistas e os próprios beneficiados sobre essa situação.
O menu oferece um opções de comida do norte da Tailândia e receitas birmanesas. Foi meu primeiro contato com um estabelecimento “good cause” e até me emociona voltar a falar dele, já que foi uma sementinha para que eu criasse o Viagem Viva. Foi como abrir um mundo não só para a situação dos birmaneses e indígenas na Tailândia, mas também para como nosso impacto social como viajantes pode ser relevante e positivo.

Dá para escolher qualquer coisa de olhos fechados. Entre os pratos thai, há tradicionais curries e pad thai (sempre em versões vegetarianas). Contudo, o que nos deixou satisfeitos foi o espetacular Mak Baak Hung, curry de abóbora com amendoins e temperos ‘shan’ (birmaneses), servido com arroz vermelho. Também vale provar o fantástico lassi deles (bebida à base de iogurte muito comum no Sudeste Asiático).
Além disso, é absolutamente recomendável passear por sua lojinha de artesanato e garantir lembrancinhas do bem, como os peace earrings, brincos de origami feitos “com amor” (como vem escrito fofamente na embalagem) pelos próprios birmaneses.
Outra incursão imperdível é na pequena livraria adjunta. Além de livros sobre refugiados, sobre a Birmânia, entre outros, há livros de receitas birmanesas para você se arriscar com os pratos em casa (eu sempre cato algum dos países que visito). Você verá também um brechó que, inclusive, aceita doações. Com tanta coisa bacana para levar, por que não dar uma aliviada na mala?